
Desvarios Chukros
Tínhamos um grupo de teatro amador. Ate então focamos que necessitávamos de peças que despertasse o “in” no expectador, quase para se transformar no expect-ator de Boal, porem nosso trabalho estava direcionado por linhas eqüidistantes, pois corríamos do oprimido, e estávamos em outra, e não tínhamos pretensão nenhuma em relações educativo-sociais com o teatro. Queríamos algo insano, um grito, o qual você tenta engolir e ele te questiona como soluço. Queríamos o eu “nuco”, queríamos Artaud.
Então passamos desse principio de trabalhar Artaud estudando.
Passavamos horas e horas a fio num prazer denso, dissecando a cabeça do malhuco.
Começamos concomitantemente a ler: O Teatro e seu Duplo, e, Artaud e o Teatro. O primeiro de autoria do próprio Antonin Artaud , no qual desenvolve suas teorias e a forma de ver o teatro da crueldade; o segundo é da coleção “estudos”, um catatau sobre a vida de Artaud e a sua relação com o teatro.
Levamos um tapa. Enlouquecemos a ver navios, pois a cada leitura que fazíamos do Antonin tínhamos certeza que ele estava falando de nossos questionamentos e angustias que vivíamos e vivemos.
Será possível um novo teatro em que formas não sejam pré-estabelecidas?
O visual, o lascivo, o real aonde se encontra ou se esconde?
Será que podemos encontrá-los? Essa era uma das varias indagações diárias que fazíamos ao tentar descobrir a forma de exorcizar estes fantasmas?!
Daí existiu depois de 3 meses de estudo uma proposta do diretor, o qual começou a ler do livro “Artaud e o Teatro”, uma fala do próprio Artaud.
Diretor falou:
- “ Jogamos nossa vida no espetáculo que se desenrola no palco: e para o espectador , seus sentidos, sua carne, estão em jogo (...) Ele deve ser convencido de que nós somos capazes de faze-lo gritar... “
Depois veio um silencio, e o diretor perguntou para nós, que já nos encontrávamos em círculos, o que achávamos das palavras ditas por ele. Mas, com tudo que ficasse livre para demonstrar não – verborragicamente. Ele queria uma reação.
Melissa a mais linda da turma, a qual todos os atores-homens queriam ficar de par quando relava uma peca de romance, lembro que quase eu iria fazer com ela, Romeu e Julieta, pena que ela ficou doente.
Melissa falou:
- Quero gritar! E depois ficar pelada.
Mauro que tinha um tesão louco por ela, na hora logo arriou a fivela ao escutar-la. Era o momento mais que desejado por ele, nunca realmente se importou muito em ser ator, apesar de que se entregou como poucos ao Teatro, mas, contudo, a razão dele fazer parte da companhia e estar ali naquela hora e naquele tempo, era trepar com Melissa.
Mauro falou:
- Quero comer Melissa,e quero que Marcos chupe meu cu.
Marcos era eu! Fiquei abismado que a crueldade tinha virado bacanal. Os desejos todos reprimidos dos atores estavam se exalando, e eu como membro fazia parte do objeto de estudo, e estava convidado a imprimir a minha loucura. Apesar que aquilo não era o correto, experiências tem que ser vividas, admito que sim, mas com um “porque” direcionado. Aquilo estava sendo ato hedonista, no qual uma companhia de teatro, mais uma por sinal, iria fazer uma orgia.
O Diretor respondeu:
- Ok... estamos prontos para “ A peça começa ou o Contrario”.
Ficamos espantados, o diretor estava com roteiros na mão e entregou a nós. Era uma peça que daria significado ao parágrafo que ouvimos do diretor.
“Jogamos nossa vida no espetáculo que se desenrola no palco: e para o espectador, seus sentidos, sua carne, estão em jogo (...) Ele deve ser convencido de que nos somos capazes de faze-lo gritar...”
Lemos o roteiro, o qual suspendia ao absurdo, o que se tornava arriscado, todavia era a proposta que realmente queríamos fazer.
- A peça começa ou o Contrario –
O publico entrou no teatro as 21hs . Antes da entrada total no estabelecimento, o diretor pediu aos espectadores que entrassem no recinto de pés descalços e sem celulares; era uma norma para que a peça tivesse seu 100% de compreensão, e quem não aceitasse que, por favor, se retirasse.
Isso logo de impacto foi um solavanco na platéia, a qual sem entender e curiosa respeitou e aderiu à regra. A peça começou nos exatos 21h30min, com um silencio atônito. Todos os atores estavam apreensivos: os laboratórios feitos, os happening, e os estudos de Artaud teriam que ser ali no pe da barriga posto em pratica. As 22h00min ainda se escutavam o Zum-Zum-Zum do silencio, por incrível que pareça as pessoas não suspeitaram de nada, a peça já estava rolando, não no palco, nós da cia estávamos fugindo disso, o teatro acontecia diante deles, no próprio cenário do publico, nas cadeiras.
A 1 surpresa começa daí, os atores entraram junto com o publico, representado o publico em “si”. E a nossa sacada foi fazer um cartaz simples, e sugestivo, no qual tinha escrito o titulo do espetáculo, e sobreposto no fundo um desenho que o próprio diretor criara.
Éramos amadores, ninguém nos conhecia, estávamos prontos para a loucura. Foi ai que Robersval , o nosso ator-corpo, entrou em cena se levantando da cadeira em que estava sentado.
Robersval falou:
- Que merda é essa? A gente vai ficar sentado aqui ate que horas? São 22h:00min e eu paguei 10 reais por esta peca! Faz uma hora que estamos esperando!
Surgiu daí o 1 imprevisto e o improviso do acaso, se levanta uma jovem esguia dos cabelos compridos e enrolados.
Jovem Esguia falou:
- Será que os atores estão com algum problema? Será que alguém esta passando mal?
O burburinho era exato. Era a minha vez de atuar com Melissa.
Melissa
- Cláudio ... tenho que falar algo pra você...
Eu
- Diga Nanda?! O que foi? Você parece mal.
Melissa
- Sim. (Começa a chorar)
Melissa fez direitinho como nos ensaios, o choro dela crescia, e como estávamos ali sentados na platéia, logo as pessoas que estavam sentadas ao redor de nós, percebiam a cena aos poucos e ficavam curiosas com um choro repentino e tão avassalador como foi feito por Melissa.
Eu
- Nanda o que foi? Fale!
Melissa
- Cláudio ... eu vim ver essa peça porque no final dela, eu iria te dizer coisa muito importante ... mas ela não começou, isto está me angustiando.
Eu
- Vamos fala de uma vez por todas, o que é Nanda? (Desta vez minha voz foi mais alta e desesperada, vi assim pelo olhar periférico que pelo menos três pessoas no mínimo estavam escutando e possivelmente compreendendo a nossa estória).
Melissa
- Acabou. Eu não te amo mais.
Fiquei em silencio e me lembrei de Nina Simone. Como uma negra pode me fazer chorar tanto quanto ela? Ao escutar “Here Comes the Sun”, dos Beatles, percebi que a versão de Nina me tragava para o meu abismo, aquela velha felicidade que não existe mais, comecei então a chorar e a pensar que Nanda estava me traindo, e fui eu que apresentei Nina a ela! Essa vagabunda, tão egoísta que se acha no direito de destruir nossos sonhos no estalar de dedos?! Engoli o choro, e como estava marcado na cena, dei um tapa que estatelou Melissa ao chão. Nunca gostei dessa cena, mas o diretor sugeriu e Melissa acatou.
As pessoas em volta tomaram as dores da personagem Nanda, e partiram pra cima de mim, não admitiam a violência. As mulheres acudiram Melissa que chorava; os homens me empurraram, e ficaram me olhando com caras de desgraça, queriam me dar uma sova.
A violência então era movida por esse campo de forca. Eles estavam em seus limites da razão e da ação, os meus verbos era denotativos, eu possuía o ataque terrorista aos bons costumes, e estava eu sóbrio, imagina?!
Eu falei:
- Se encostarem em mim, eu atiro.
Mostrei a arma, um 38 velho, que minha vovozinha herdou da família. Nem tinha uma sequer bala, tudo de festim, arquitetamente planejado. Essa era a deixa para Robersval ir ate a porta de saída do teatro e ver que estava trancada, e grita avisando ao publico. O interessante é que tudo estava correndo como previsto, estávamos inspirados, no decorrer da peça, os atores sentiam pelo improviso que aquilo realmente estava acontecendo no seu “in”, o publico acreditava na loucura em que viviam naquele momento, ele passou a ser sujeito da ação.
E num instante. BUMMMMMMM.
Crueldade, o duplo e o transe.
Não sei se estávamos decodificando Artaud ao certo, mas naquele instante “in”, aquilo era único. Eu estava armado, um personagem desequilibrado e armado com um 38. Então neste ponto começa o dialogo entre eu e Melissa, que bradava em choro.
Melissa
- Cláudio, por favor, largue esta arma, você pode machucar alguém, vamos!
O publico estava já ao chão, enquanto eu reparava a movimentação dos valentões ou os que queriam ser os heróis da noite, na qual sonhavam tirar a arma do antagonista e sacramentassem a si mesmo o personagem do “mocinho”, eu atirei pra cima logo para assustar.
Eu falei:
- Nanda só tenho a ti. Sou um dos poucos românticos daqui deste teatro, sou aquele que se mataria por amor. Eu choro pode ver, estas lastimas em meu semblante?! Te amo Nanda, e não conseguiria ... retirar você de mim, eu sobrevivo por ti.
Melissa
- Cláudio, meu amor, meu 1 primeiro amor, não te amo mais. Se quer matar alguém, mate a mim! Por que se você me obrigar a te amar, eu prefiro a morte.
Neste instante, Robersval tinha a deixa de me agarrar, eu dei um tiro na perna direita dele, o saquinho de sangue dos ensaios funcionara, um truque besta de criança.
Uma mulher de idade desmaiou, o pânico era total. Gritos e mais gritos ecoavam no teatro. Eu em deliciava ver as “ piriguetes” aos prantos, meu deus tomará que elas tenham pesadelos eternos.
Eu falei:
- Nanda se eu já não a tenho, o que perco?
Ao final da frase dei um tiro na cabeça. BUMMM. Os efeitos sonoros foram muito fudidos. Eu ate acreditei, que tinha ido. A explosão do festim junto com o adicional sonoro feito pelo técnico Edinho, o estrondo foi extremamente inusitado ao real.
Melissa correu ate mim, e me segurou ao seu peito e berrava me beijando, se melando toda com o sangue artificial de Kisuque, Tomate, Coloral e vinho Quinta do Morgado, uma delicia... recomendo.
Melissa falou:
- Eu não te amo. Não te amo.
Chorava e berrava me beijando, Melissa estava incrível em sua caracterização.
Mauro possuía um personagem inquietador e filosófico. Ele entrou em cena nessa hora.
Mauro falou:
- É fato! Tem gente que se amarra, tem tara mesmo por espetáculos cênicos verite sem haver peça alguma. ( Começa a bater palmas) Palmas, vamos palmas! Esse ai que já era, é o personagem que faleceu em sua existência.
Para mim tudo era escuridão, estava com os olhos fechados, bem que eu poderia ter morrido de olhos abertos, mas era uma técnica que eu não possuía.
Daí em diante Mauro fazia da verborragia sua pantomima, e ele extremamente engraçado em sua caricatura, um misto de personagens de Woody Allen e Quantin Tarantino. Realmente demorou ver o publico tomar a ação, porem, vimos tudo incendiar quando surgiu um rapaz forte negro que tentou arrombar a porta de saída do teatro. O diretor estava do lado de fora, esperando esse momento, munido de sonoplastia e de sua marca.
Diretor falou:
- Ok... Aqui é a policia, não se preocupem daqui a 15 minutos , vocês voa sir daí! Tudo esta sob controle, o terrorista está armado?
O rapaz negro caiu pra trás. Não sabia onde se encontrava a sanidade mais.
Rapaz Negro:
Que terrorista? Temos suicidas, gritos, filósofos e mortes aqui dentro, mas que eu saiba nenhum terrorista ate agora! Meu deus, seu guarda, nos socorra! Estamos enlouquecendo!!!
O diretor ria do lado de fora, e fazia sonoplastia de sirenes de policias, e de supostos tiras conversando.
Diretor falou:
- Dentro de 15min no maximo! Agora tentem controlar o terrorista. Ele esta cheio de explosivos pelo corpo, ele está ai dentro com vocês.
O rapaz negro ao escutar gritou para o publico:
- Há um terrorista no teatro, cuidado iremos morrer!
O rapaz negro nos saiu de imprevisto um ótimo personagem vivido por ele, acabou sendo o motor da nossa peça. Este personagem que acabou por acaso virando dele, era de Claudinha, ela que estaria encarregada de falar com a policia, contudo nesta hora , ela estava como enfermeira acudindo a platéia que desmaiavam e passavam mal.
Dentro desse total aspecto de conjuntura, o gran finale estava para acontecer.
Surge na caixa cênica, uma menina, uma criança de no maximo 5 anos de idade, toda revestida de dinamite segurando com uma mão seu ursinho e com a outra um megafone.
Essa criança era a Luiza, atriz mirim, que surge em cena protagonizando a terrorista infantil, Luiza é filha de Claudinha. Na apoteose da cena, Mauro olha a criança e sobe nas cadeiras da platéia e berra.
Mauro falou:
- É ela , é a criança! É ela a terrorista! As crianças se revoltaram contra os adultos, é o fim do mundo! É o fim dos tempos!
A partir daí o momento era crucial, o publico estava atônito no limiar do frenesi e do transe da insanidade. Nesse momento, Luiza finaliza a peça, e fala ao publico utilizando o megafone.
Luiza falou:
- Que horas são?
Todos pasmos, ninguém respondeu de imediato. Então Mauro revelou.
Mauro falou:
- Sao 23h00min. Por quê?
Luiza respondeu:
- A peça acabou esta na hora de irmos pra casa.
Quase que por encanto eu me levanto melado de sangue junto com Robersval, e vou com Melissa, Claudinha e Mauro a caixa cênica. O diretor surge e se junta a nós e agradece ao publico pelo espetáculo.
Escrito por
Vinicius Chukro.
07/11/05













